Pastores que abandonam o púlpito enfrentam o difícil caminho da auto-aceitação e
do recomeço.
Por Marcelo Brasileiro * Extraído da Revista Cristianismo Hoje (http://cristianismohoje.com.br/materia.php?k=854)
Desânimo, solidão, insegurança, medo e dúvida. Uma estranha combinação de
sensações passou a atormentar José Nilton Lima Fernandes, hoje com 41 anos, a
certa altura da vida. Pastor evangélico, ele chegou ao púlpito depois de uma
longa vivência religiosa, que se confunde com a de sua trajetória. Criado numa
igreja pentecostal, Nilton exerceu a liderança da mocidade já aos 16 anos, e
logo sentiria o chamado – expressão que, no jargão evangélico, designa aquele
momento em que o indivíduo percebe-se vocacionado por Deus para o ministério da
Palavra. Mas foi numa denominação do ramo protestante histórico, a Igreja
Presbiteriana Independente (IPI), na cidade de São Paulo, que ele se estabeleceu
como pastor. Graduado em Direito, Teologia e Filosofia, tinha tudo para ser um
excelente ministro do Evangelho, aliando a erudição ao conhecimento das Sagradas
Escrituras. Contudo, ele chegou diante de uma encruzilhada. Passou a duvidar se
valeria mesmo a pena ser um pastor evangélico. Afinal, a vida não seria melhor
sem o tal “chamado pastoral”?
As razões para sua inquietação eram enormes. Ordenado pastor desde 1995, foi
justamente na igreja que experimentou seus piores dissabores. Conheceu a
intriga, lutou contra conchavos, desgastou-se para desmantelar o que chama de
“estrutura de corrupção” dentro de uma das igrejas que pastoreou. Mas, no fim de
tudo isso, percebeu que a luta fora inglória. José Nilton se enfraqueceu
emocionalmente e viu o casamento ir por água abaixo. Mesmo vencendo o
braço-de-ferro para sanar a administração de sua igreja, perdeu o controle da
vida. A mulher não foi capaz de suportar o que o ministério pastoral fez com
ele. “Eu entrei num processo de morte. Adoeci e tive que procurar ajuda médica
para me restabelecer”, conta. Com o fim do casamento, perdeu também a companhia
permanente da filha pequena, uma das maiores dores de sua vida.
Foi preciso parar. No fim de 2010, José Nilton protocolou uma carta à
direção de sua igreja requisitando a “disponibilidade ativa”, uma licença
concedida aos pastores da denominação. Passou todo o ano de 2011 longe das
funções ministeriais. No período, foi exercer outras funções, como advogado e
professor de escola pública e de seminário. “Acho possível servir a Jesus,
independentemente de ser pastor ou não”, raciocina, analisando a vida em
perspectiva. “Não acredito mais que um ministério pastoral só possa ser exercido
dentro da igreja, que o chamado se aplica apenas dentro do templo. Quebrei essa
visão clerical”. Reconstruindo-se das cicatrizes, Nilton casou-se novamente. E,
este ano retornou ao púlpito, assumindo o pastoreio de uma igreja na zona leste
de São Paulo. Todavia, não descarta outro freio de arrumação. “Acho que
a vida útil de um líder é de três anos”, raciocina. “É o período em que ele
mantém toda a força e disposição. Depois, é bom que esse processo seja
renovado”. É assim que ele pretende caminhar daqui para frente: sem fazer do
pastorado o centro ou a razão da sua vida.
Encontrar o equilíbrio no ministério não é tarefa fácil. Que o digam os
ex-pastores ou pastores afastados do púlpito que passam a exercer outras
atividades ou profissões depois de um período servindo à igreja. Uma das maiores
denominações pentecostais do país, a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), com
seus 30 mil pastores filiados – entre homens e mulheres –, registra uma deserção
de cerca de 70 pastores por mês desde o ano passado. Os números estão nas
circulares da própria igreja. Não é gente que abandona a fé em Cristo,
naturalmente; em sua maioria, os religiosos que pedem licença ou desligamento
das atividades pastorais continuam vivendo sua vida cristã, como fez José Nilton
no período em que esteve afastado do púlpito. É que as pressões espirituais e as
demandas familiares e pessoais dos pastores, nem sempre supridas, constituem uma
carga difícil de suportar ao longo doa anos. Some-se a isso os problemas
enfrentados na própria igreja, as cobranças da liderança, a necessidade de
administrar a obra sob o ponto de vista financeiro e – não raro – as disputas
por poder e se terá uma ideia do conjunto de fatores que podem levar mesmo
aquele abençoado homem de Deus a chutar tudo para o alto.
A própria IPI, onde José Nilton militou, embora muito menor que a
Quadrangular – conta com cerca de 500 igrejas no país e 690 pastores registrados
–, teria hoje algo em torno de 50 ministros licenciados, número registrado em
relatório de 2009. Pode parecer pouco, mas representa quase dez por cento do
corpo de pastores ativos. Caso se projete esse percentual à dimensão da já
gigantesca Igreja Evangélica brasileira, com seus aproximadamente 40 milhões de
fiéis, dá para estimar que a defecção dos púlpitos é mesmo numerosa. De acordo
com números da Fundação Getúlio Vargas, o número de pastores evangélicos no país
é cinco vezes maior do que a de padres católicos, que em 2006 era de 18,6 mil
segundo o levantamento Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações
Sociais. Porém, devido à informalidade da atividade pastoral no país, é certo
que os números sejam bem maiores.
FERIDOS QUE FEREM
O chamado pastoral sempre foi o mais valorizado no segmento evangélico. Por
essa razão, é de se estranhar quando alguém que se diz escolhido por Deus para
apascentar suas ovelhas resolva abandonar esse caminho. Nos Estados Unidos,
algumas pesquisas tentam explicar os principais motivos que levam os pastores a
deixar de lado a tarefa que um dia abraçaram. Uma delas foi realizada pelo
ministério LifeWay, que, por telefone, contatou mil pastores que exerciam
liderança em suas comunidades eclesiásticas. E o resultado foi que, apesar de se
sentirem privilegiados pelo cargo que ocupavam (item expresso por 98% dos
entrevistados), mais da metade, ou 55%, afirmaram que se sentiam solitários em
seus ministérios e concordavam com a afirmação “acho que é fácil ficar
desanimado”. Curiosamente, foram os veteranos, com mais 65 anos, os menos
desanimados. Já os dirigentes das megaigrejas foram os que mais reclamaram de
problemas. De acordo com o presidente da área de pesquisas da Life Way, Ed
Stetzer – que já pastoreou diversas igrejas –, a principal razão para o desânimo
pode vir de expectativas irreais. “Líderes influenciados por uma mentalidade
consumista cristã ferem todos os envolvidos”, aponta. “Precisamos muito menos de
clientes e muito mais de cooperadores”, diz, em seu blog pessoal.
Outras pesquisas nos EUA vão além. O Instituto Francis Schaeffer, por
exemplo, revelou que, no último ano, cerca de 1,5 mil pastores têm abandonado
seus ministérios todos os meses por conta de desvios morais, esgotamento
espiritual ou algum tipo de desavença na igreja. Numa pesquisa da entidade, 57%
dos pastores ouvidos admitiram que deixariam suas igrejas locais, mesmo se fosse
para um trabalho secular, caso tivessem oportunidade. E cerca de 70% afirmam
sofrer depressão e admitem só ler a Bíblia quando preparam suas pregações. Do
lado de cá do Equador, o nível de desistência também é elevado, ainda mais
levando-se em conta as grandes expectativas apresentadas no início da caminhada
pastoral pelos calouros dos seminários. “No começo do curso, percebemos que uma
boa parte dos alunos possui um positivo encantamento pelo ministério. Mais
adiante, já demonstram preocupação com alguns dilemas”, observa o diretor da
Faculdade Teológica Batista de São Paulo, o pastor batista Lourenço Stélio Rega.
Ele estima que 40% dos alunos que iniciam a faculdade de teologia desistem no
meio do caminho. Os que chegam à ordenação, contudo, percebem que a luta será
uma constante ao longo da vida ministerial – como, aliás, a própria Bíblia
antecipa.
E, se é bom que o ministro seja alguém equilibrado, que viva no Espírito e
não na carne, que governa bem a própria casa, seja marido de uma só mulher (ou
vice-versa, já que, nos tempos do apóstolo Paulo não se praticava a ordenação
feminina) e tantos outros requisitos, forçoso é reconhecer que muita gente fica
pelo caminho pelos próprios erros. “O ministério é algo muito sério” lembra
Gedimar de Araújo, pastor da Igreja Evangélica Ágape em Santo Antonio (ES) e
líder nacional do Ministério de Apoio aos Pastores e Igrejas, o Mapi. “Se um
médico, um advogado ou um contador erram, esse erro tem apenas implicação
terrena. Mas, quando um ministro do Evangelho erra, isso pode ter implicações
eternas.”
Desde que foi criado, há 20 anos, em Belo Horizonte (MG), como um braço do
ministério Servindo Pastores e Líderes (Sepal), o Mapi já atendeu milhares de
pastores pelo país. Dessa experiência, Gedimar traça quatro principais razões
que podem ser cruciais para a desmotivação e o abandono do ministério. “Ativismo
exagerado, que não deixa tempo para a família ou o descanso; vida moral
vacilante, que abre espaço para a tentação na área sexual; feridas emocionais e
conflitos não resolvidos; e desgaste com a liderança, enfrentando líderes
autoritários e que não cooperam”, enumera. Para ele, é preciso que tanto os
membros das igrejas quanto as lideranças denominacionais tenham um cuidado
especial com os pastores. “Muitos sofrem feridas, como também, muitas vezes,
chegam para o ministério já machucados. E, infelizmente, pastor ferido acaba
ferindo”.
Quanto à responsabilidade do próprio pastor com o zelo ministerial, Gedimar é
taxativo: “É melhor declinar do ministério do que fazê-lo de qualquer jeito ou
por simples necessidade”. A rede de apoio oferecida pelo Mapi supre uma lacuna
fundamental até mesmo entre os pastores – a do pastoreio. “É preciso criar em
torno do ministro algumas estruturas protetoras. É muito bom que o líder conte
com um grupo de outros pastores onde possa se abrir e compartilhar suas lutas;
um mentor que possa ajudá-lo a crescer e acompanhamento para seu casamento e
família e, por fim, ter companheiros com quem possa desenvolver amizades e
relacionamentos saudáveis e sólidos”, enumera.
EXPECTATIVAS
Juracy Carlos Bahia, pastor e diretor-executivo da Ordem dos Pastores
Batistas do Brasil (OPBB), sediada no Rio de Janeiro, conhece bem o dilema dos
colegas que, a certa altura do ministério, sentem-se questionados não só pelos
outros, mas, sobretudo, por si mesmos. Ele lida com isso na prática e sabe que o
preço acaba sendo caro demais. “Toda atividade que envolve vocação, como a do
professor, a do médico ou a do pastor, é vista com muita expectativa. Quando se
abandona esse caminho, é natural um sentimento de inadequação”. Para Bahia, o
desencantamento com o ministério pastoral é fruto também do que entende como
frustrações no contexto eclesiástico. Há pastores, por exemplo, que julgam não
ter todo seu potencial intelectual utilizado pela comunidade. “Às vezes, o
ministro acha que a igreja que pastoreia é pequena demais para seus projetos
pessoais”, opina. Isso, acredita Bahia, estimula muitos a acumularem diversas
funções, além das pastorais. “Eu defendo que os pastores atuem integralmente em
seus ministérios. Porém, o que temos visto são pastores-advogados,
pastores-professores, enfim, pastores que exercem outras profissões paralelas ao
púlpito”, observa.
No entender do dirigente da OPBB, esse acúmulo de funções mina a energia e o
potencial do obreiro para o serviço de Deus. A associação reúne aproximadamente
dez mil pastores batistas e Bahia observa isso no seio da própria entidade:
“Creio que metade deles sofra com a fuga das atividades pastorais para as
seculares”. Contudo, ele acredita que deixar o ministério não é algo
necessariamente negativo. “A pessoa pode ter se sentido vocacionada e, mais
adiante na vida, por meio da experiência, das orações e interação com outros
pastores, é perfeitamente possível chegar à conclusão que a interpretação que
fez sobre seu chamado não foi adequada e sim emotiva”.
Quando, já na meia idade, casado e com dois filhos, ingressou no Seminário
Presbiteriano do Norte (SPN), na capital pernambucana, Recife, Francisco das
Chagas dos Santos parecia um menino de tanto entusiasmo. Nem mesmo as críticas
de parentes para que buscasse uma colocação social que lhe desse mais status e
dinheiro o desmotivou. “A igreja, para mim, é a melhor das oportunidades de
buscar e conhecer meu Criador para que, pela graça, eu continue com firmeza a
abrir espaço em meu coração para que ele cumpra sua vontade em mim, inclusive no
ministério pastoral”, anotou em sua redação para o ingresso no SPN, em 1998. Ele
formou-se no curso, foi ordenado pastor em 2003 e dirigiu igrejas nas cidades de
Garanhuns e Saloá.
Hoje, aos 54 anos, Francisco trabalha como servidor público no Instituto
Agronômico de Pernambuco. Ainda não curou todas as feridas e ressentimentos
desde que, em 2010, entregou seu pedido de desligamento da denominação. Ele
lamenta o tratamento recebido pelos seus superiores enquanto foi pastor. “Minha
opinião sobre igreja não mudou. Nunca planejei um dia pedir licença ou
despojamento do ministério. Mas entendo que somos o Corpo de Cristo, e, se uma
unha dói, todos nós estamos doentes”, pondera. “Não é possível ser pastor sem
pensar em restaurar vidas – e existem muitas vidas precisando de conserto,
inclusive entre nós, pastores”.
A vida longe dos púlpitos ainda não foi totalmente sublimada e Francisco sabe
bem que será constantemente indagado sobre sua decisão de deixar o ministério.
“A impressão é que você deixou um desfalque, que adulterou ou algo parecido”,
observa. Ele não considera voltar a pastorear pela denominação na qual se
formou, porém não consegue deixar de imaginar-se como pastor. “Uma
vez pastor, pastor para sempre”, recita, “muito embora as pessoas, em geral,
acreditem que seja necessário um púlpito.”
Meu Comentário:
Problemas doutrinários e sexuais à parte, existem sempre aqueles pastores que foram feridos por outros motivos não mencionados no artigo. Há pastores honestos, integros em sua vida familiar, que pregam a Bíblia com oração e preparo homilético, mas que mesmo assim foram feridos.
No artigo, não foi mencionado os "donos de igreja". Àqueles que se "sentem" donos do templo, das propriedades, e por vezes, do próprio pastor.
Eu conheço "n" casos de pastores que eram perseguidos por gozarem férias anuais ou até mesmo o próprio descanso semanal. Conheço outros, que eram perseguidos por pregarem sobre integridade, sobre o Céu e o Inferno e outros pecados.
Eu mesmo já fui ferido por pregar contra o pecado sexual e o mau hábito de membros de igrejas frequentarem festividades pagãs e idólatras !
Com o advento das redes sociais, não raramente, os "cristãos internautas" se esquecem e postam suas "aventuras diárias" na rede. Vez por outra lemos de um membro de igreja num show de Ivete Sangalo, uma participação em uma noitada numa boate ou coisas do gênero. E eu me pergunto: "Qual Pastor SÉRIO que não fica ferido ao ver ou saber que uma ovelha participa de eventos condenados pela Palavra de Deus?"
Quando um pastor não faz vista "grossa" para as mazelas de seu rebanho, quando prega a palavra e preside sua igreja com zelo e disciplina, é inevitável que ele esteja em "rota de colisão" com os donos de igreja.
Se a situação não é solucionada, o ministro fica entre "baratear" o evangelho (neste caso torna-se falso profeta) ou pregar a palavra da forma como ela é (e assim, deixar a igreja por exigência dos "donos"). Que sinuca !!!
Em tempos em que as igrejas não excluem mais, em que um erro numa igreja não o é na igreja de esquina, e no qual muitos estão "pescando em aquário", a situação demanda de uma análise mais complexa, detalhada...
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